Mônica Veloso a paratleta do Esporte Clube Vitória da Bahia é a nossa entrevistada de hoje

7 anos ago 0

A paratleta Mônica Veloso, teve poliomielite quando era criança e a doença comprometeu os seus membros inferiores, mas encontrou na palavra persistência o combustível para superar todos os obstáculos que a vida lhe impôs. Atualmente Mônica é presidente da Associação Baiana de Atletas Deficientes, além de representar o Esporte Clube Vitória em competições nacionais e internacionais.
– “Natação é um meio de vida, não é um meio de morte”. (VELOSO, Mônica. 2017)

Resenha na Rede: Monica, você iniciou na natação profissional aos 38 anos. A modalidade sempre esteve em sua vida ou foi um processo de aprendizado?
Mônica Veloso: Eu comecei na natação aos 6 anos de idade, por causa da reabilitação, pois eu tive polio (poliomielite), então, a água foi me apresentada muito cedo, também bem cedo comecei a me identificar com esse meio. Nós portadores de deficiência nos identificamos com esse meio, porque dentro da água temos a liberdade que não possuímos fora da água, consigo andar sem nada, faço pequenas caminhadas diárias dentro da água, para ativar a circulação.
Eu fui me apaixonando pela natação, cada vez mais eu queria treinar e me superar. Minha irmã Rosana Andrade, recordista sul-americana nos 200 metros borboleta, foi a minha maior incentivadora e eu fazia o mesmo treino que ela, no entanto, eu não podia competir. Talvez por desinformação, pois na época não permitiam cair, havia uma falta de segurança muito grande, mas eu me identifiquei desde então.
Eu já treinava na época que Sérgio Silva era nadador, eu vi Edvaldo Valério começar, então eu queria estar lá treinando e nadando entre os melhores, mas isso não me era permitido. Eu parei por nove anos, passei por duas formações, me casei, tive dois filhos e somente aos 36 anos, por informação da minha irmã Rosana que morava nos EUA e buscou informações a respeito da natação paralímpica, foi que, incentivada por ela, me aposentei do Estado como professora e voltei para natação.
Iniciei profissionalmente na natação master e fui crescendo devagarinho, iniciando em uma idade que muita gente está parando. A idade não era obstáculo, era o começo da minha carreira e desde lá venho derrubando novos obstáculos e conquistando vitórias.

Resenha na Rede: Primeira paratleta a concluir a travessia Mar Grande – Salvador. Primeiro nos diz qual a sensação e depois o que levou a tal desafio?
Mônica Veloso: A travessia Mar Grande – Salvador, para os nadadores é um desafio muito grande e para os nadadores da Bahia é um sonho, todo nadador tem que ter na carreira essa travessia. O treinamento é muito desgastante, mesmo com a melhora de pensamento dos técnicos em não esgotar os atletas, nós treinamos o ano todo, pois são sete etapas classificatórias.
Fiz a travessia por duas vezes (1999 e 2000) e a minha primeira travessia foi com raio, trovão e chuva, para encontrar meu barco (guia) foi uma dificuldade. Estava levando uma atleta que me disse: se você passar, eu termino a prova com você. A prova não parava, olhava para o lado e todo mundo continuava nadando, até porque a segurança estava garantida.
É uma sensação indescritível, chegar em Salvador e ver os prédios crescendo. Meu guia dizia – olha lá a prainha! – e eu respondia, não vou olhar parada nada, vou deixar a Baía de Todos os Santos me receber e você me guia.
Entre o período de uma travessia e outra fui aos EUA para uma competição, lá bati o recorde mundial dos 1500 metros nado livre e os 800 metros nado livre americano. Daí fui chamada por um técnico americano, que queria saber como era o meu treinamento, pois ganhei de atletas que tinham menos deficiência do que eu e menos idade. Ele se espantou até mesmo com a minha carga de aquecimento e sugeriu que descansasse um dia na semana, pois treinava os sete dias.
Na oportunidade me propôs passar seis meses treinado com ele. Esse treinamento era pago e o treinador americano me ofereceu por acreditar no meu potencial. O resultado foi que fiz 40 minutos a menos no segundo ano de travessia, o meu tempo em 1999 foi de 3 horas e 40 minutos e em 2000 eu a fiz em 3 horas. Meu técnico brasileiro não tinha gostado muito da sugestão de diminuir a carga de treino, mas eu já estava com 38 anos e com nível de desgaste muito alto, foi uma felicidade no final para mim, para meu técnico brasileiro e o técnico americano.

Resenha na Rede: Destaque no mar e nas piscinas. Para leigos tudo é natação, mas quais são as maiores dificuldades e diferenças dessas modalidades?
Mônica Veloso: Nadar no mar é maravilhoso, mas exige uma certa preparação, observação e um senso de direção razoável, devido as correntes. Eu nado com mais facilidade no mar, na piscina tenho dificuldade porque não caio de bloco (pular na piscina), não dou virada e bato 0% de perna. Além desses fatores, não posso fazer a virada de costa, nem a virada de crawl (estilos de nado).
Por sair debaixo, as meninas que caem de bloco já largam com pelo menos cinco braçadas na minha frente. Isso é uma dificuldade, pois já nado, por exemplo, os 100 metros pensando na virada, se errar essa virada, tenho muitos segundos a menos.

Resenha na Rede: Mônica como o Vitória entrou em sua vida profissional e como acontece o apoio do clube?
Mônica Veloso: O Vitória entrou na minha vida através do jornalista José Osvaldo, que era conselheiro do Vitória. Ele é um amante do paradesporto, e sugeriu ao então presidente Alexi Portela incentivar uma atleta paralímpica.
O Vitória me abraçou, independente de ser torcedora. Me falaram que o apoio seria pequeno, ainda é pequeno diante de um universo, mas tenho a estrutura do Esporte Clube Vitória a minha disposição. Tenho um respeito muito grande e procuro trazer os melhores resultados para meu time.

Resenha na Rede: Salvador perdeu sua piscina olímpica e posteriormente passou por uma instalação provisória. Agora como está o seu uso e o atendimento aos atletas e paratletas?
Mônica Veloso: A piscina da Fonte Nova foi uma perda muito grande, pois atendia não só a comunidade, como os alunos carentes. Nós da Associação Baiana de Atletas Deficientes tínhamos seis raias disponíveis e conseguíamos reunir toda a equipe.
A piscina nova do Bonocô é maravilhosa, mas ainda falta terminar os banheiros, instalar as arquibancadas, mas está atendendo. Competições são realizadas lá, atende alunos carentes, algumas equipes estão treinando na nova piscina. Mas com a Associação Baiana de Atletas Deficientes, não houve um entendimento para definir como os paratletas iriam treinar. Para treinar na nova piscina, o paratleta tem que estar ligado a algum clube que possuí treinamento lá.
Doutor Elias Dourado, diretor da Sudesb, prometeu 4 raias para a Associação Baiana de Atletas Deficientes, mas até o momento não foi disponibilizado. Existe um programa para atender alunos de escola pública, gostaria que houvesse um aditivo para inclusão dos alunos portadores de deficiência, tenho duas pessoas que podem tornar-se grandes atletas paralímpicos, mas não conseguem treinar devido a burocracia.
Espero que a piscina nova, que ficará no antigo espaço do clube português, atenda ao nosso seguimento. Mas, apesar de tudo, a Sudesb é apoiadora da Associação e quando eu sentar com Doutor Elias, as situações serão resolvidas, acredito que iremos chegar a um entendimento, afinal a associação já deu grandes resultados e revelou grandes paratletas da Bahia.

Resenha na Rede: Fala um pouco do seu trabalho a frente da Associação Baiana de Atletas Deficientes e como os paratletas são revelados.
Mônica Veloso: A Associação Baiana de Atletas Deficientes existe desde 1998, como uma forma de fomentar o paradesporto em todo o Estado da Bahia. Sempre foi muito difícil firmar parcerias e conseguir apoio, tanto que atendíamos modalidades como vôlei sentado, basquete. Mas devido a falta de recurso financeiro, resolvi retirar as modalidades de esporte coletivo, pois não há recurso nem mesmo para inscrição dos atletas.
Por exemplo, na época do prefeito Imbassahy, ganhamos as cadeiras para treino e jogo de basquete, mas não havia recurso para manutenção, nem tão pouco local para treinamento adequado. Hoje atendemos a natação, o atletismo de quem é andante e tênis de mesa.
As demais modalidades, deslocamos os atletas para instituições que possuem mais estrutura para atendê-los. Por exemplo, temos atletas do tênis de mesa treinando em Camaçari, temos atletas do tênis de quadra no IBR (Instituto Baiano de Reabilitação) e Baiano de Tênis. A natação é atendida no CEPE (clube de empregados da Petrobrás).
Gostaria muito de ter uma sede com uma estrutura, com uma quadra e uma piscina de 25 metros. Já foram oferecidos terrenos em Camaçari e Lauro de Freitas, mas não há transporte adequado para os atletas chegarem nesses lugares, as pessoas não tem noção da dificuldade de um cadeirante pegar um ônibus com chuva. Queria juntar nossos atletas novamente.

Resenha na Rede: Aos 58 anos, onde Mônica deseja chegar no esporte?
Mônica Veloso: A gente vai galgando a escada degrau por degrau, o que eu não quero é parar e quero agregar pessoas. Para parar vai ser difícil, eu andando ou em cima de uma cadeira de rodas vou continuar nadando. Não chegou a hora de parar ainda não, a gente ainda tem algum tempinho para buscar algumas coisas, principalmente no mar, onde sou campeã do Circuito Guadalupano (México), campeã Mercosul, campeã do Circuito Ocidental (Costa Rica), nadei na maior piscina do mundo onde ganhei a prova (Algarrobo, Chile).
Ainda tenho alguns sonhos, como fazer a prova “A Volta da Estatua da Liberdade”, quero ir a Capri e conhecer o percurso Capri – Nápoli, que tenho vontade de fazer. Então, eu acho que meu futuro está mais no mar, infelizmente o Canal da Mancha possui alguns impedimentos, a água fria é uma deles, e devido a deficiência possuo algumas limitações para realizar uma prova dessa.
Natação é um meio de vida, não é um meio de morte. Posso nadar a todo risco, mas nunca a todo custo, pois se me lesionar mais ainda, não poderei estar ajudando mais pessoas.

Resenha na Rede: Você confidenciou sobre o livro contando a sua história e trajetória. Então fale um pouco sobre a obra de Mônica veloso.
Mônica Veloso: Esse livro, independente da minha história de natação, relata uma coisa que procuramos vencer no dia-à-dia, que é o preconceito. O nome do livro é Do Preconceito Ao Pódio, e relata algumas situações que tive que enfrentar ao longo da minha vida pessoal e profissional.
O meu objetivo principal não é buscar um reconhecimento, até porque acho que já tenho. Também não é buscar a fama, pois ela é ilusória. Só quero que as pessoas tenham coragem e não baixem a cabeça, aprendam a dizer eu consigo e não baixem a cabeça, o objetivo principal é dar poder as pessoas, porque as pessoas são poderosas.

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